
“Reconforto-me ao me lembrar que no dia seguinte eu ia ao Porto Santo depois de quase um mês “longe”.
(Crónica de Elisa Freitas)
Outro dia começa, desta vez sinto que vai ser bom ou que vou fazer por isso. Tenho aulas o dia todo novamente, tento meter na cabeça que vai correr tudo bem, que não tenho saudades de casa, que não tenho saudades da comida dos meus pais, que a minha gata também tem saudades minhas, tento não pensar, mas acabo por o fazer.
Estou na aula de História, o professor voltou a dispersar e está a falar dos arraiais da Madeira e da poncha, antes falava da historiografia (acho engraçado estudar a história da História). Tento seguir o fio da conversa, mas perco-me naquele discurso. Oiço “não é Sofia?”, mas continuo a tentar escrever o que aparece no PowerPoint. Continuo a ouvir “Sofia, pode me responder, não se esconda” e em milésimos de segundos raciocino e talvez eu seja a Sofia. Olho para o professor e vejo-o a olhar para mim. Eu sou a Sofia. Digo-lhe que o meu nome é Elisa e ele limita-se a me perguntar de que parte da Madeira eu sou, ignorando completamente a minha correção. Eu respondo que sou do Porto Santo e vejo uma expressão de sorriso, mesmo que a máscara esteja a tapar.
O dia acabou e estou cansada, mas reconforto-me ao me lembrar que no dia seguinte eu ia ao Porto Santo depois de quase um mês “longe”. Tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Quando aterro, o suspiro de alívio é automático e quando saio do avião a minha mãe é a primeira a me receber com um abraço rápido, pois ela está a trabalhar e provavelmente não deve ser permitido tocar nos passageiros, mas um abraço com sabor a casa. O meu pai espera-me do outro lado das portas de vidro, recebendo-me sempre com um beijo na testa, outro pedaço de casa.
“Dizem que a nossa casa é onde o nosso coração está e, sem dúvida, o meu ficou aqui, no dia em que eu parti.”
Chego a casa e vou a correr para abraçar a minha gata, esta que foge ou pelo som dos meus passos, ou porque sabe que vai ser apertada nos meus braços ou porque já não me conhece e sou apenas uma estranha a correr contra ela. Fico triste porque penso que ela já não gosta de mim, mas acaba sempre por vir para o meu colo enquanto vejo televisão.
Abraço o meu irmão que, de forma alguma, me abraça de volta pois tem uma imagem de homem forte a manter, mas que dá um sorriso envergonhado porque eu sei que, lá no fundo, ele também teve saudades minhas.
Entro no meu quarto e dou um último suspiro de alívio e satisfação. Esboço um sorriso ao ver as minhas fotos e as fotos das minhas primas quando eramos crianças. Dizem que a nossa casa é onde o nosso coração está e sem dúvida que o meu ficou aqui no dia em que eu parti. Volto a cozinha e pergunto: “Pai, o que é o jantar?”. Agora sim, estou em casa.