
“Saem do seu país para ir à procura de oportunidades, sonhando com um futuro diferente, uma vida melhor.”
Reflexão de Ana Castro Neves, Médica Especialista em Imunoalergologia
Recentemente tive a oportunidade de ver o filme “Listen”, que foi premiado com o “Leão do Futuro”, no festival de Veneza, o qual recomendo vivamente.
Este filme deu o mote para escrever esta reflexão, sobre a forma como olhamos e encaramos os outros, principalmente os Imigrantes.
Somos um povo de Emigrantes. Mas os nossos Emigrantes são Imigrantes nos outros países. Orgulhamo-nos tantas vezes por existir um Português em cada canto do Mundo. Mas, devemos também pensar de que forma é que “os nossos” são acolhidos lá fora. E nós, como acolhemos “os outros”?
Sabemos que muitos fogem da guerra, de catástrofes naturais ou de perseguições, embora existam outros que saem do seu país para ir à procura de oportunidades, sonhando com um futuro diferente, uma vida melhor.
O filme, está centrado numa família portuguesa que emigrou para Inglaterra e que se esforça por garantir um mínimo de condições de vida familiar. Inserida nesse contexto, e com as dificuldades que atravessa, a família é sinalizada pela Segurança Social. Tendo como objectivo a defesa dos interesses das crianças, esta é feita de forma intransigente dando origem a injustiças baseadas em erros de julgamento e mal-entendidos. Injustiças que são muitas vezes difíceis de corrigir e sobretudo impossíveis de compensar.
Estamos habituados a rotular e a catalogar as pessoas.
Ao ver o filme pensei, e convido-vos também a pensar, naquilo que se poderá passar connosco dentro de portas. Pensemos nos princípios de igualdade e equidade e de como os problemas, que julgamos serem dos “outros”, poderão também ser nossos.
Será que até mesmo numa ilha tão pequena como o Porto Santo poderá acontecer algo semelhante ao que é retratado no filme?
O conceito de Imigrante confunde-se muitas vezes com o conceito de “Estrangeiro”. Então, como é que nós olhamos para “o Estrangeiro”? Esta é uma pergunta que nos deve inquietar, que nos deve desassossegar.
Olhemos para a discriminação abusiva, totalmente centrada em preconceitos. Estamos habituados a rotular e a catalogar as pessoas. Se é sem-abrigo é drogado, se tem tatuagens e piercings é um “gangster”, etc…
Consigo compreender o receio, que é quase primário, perante o que é diferente. Consideraria que muitas vezes a intolerância e o medo associados ao desconhecido se tratam de uma questão de ignorância. Vivemos em sociedade e ninguém consegue viver isoladamente. Devemos procurar valorizar a diversidade e viver em harmonia com os outros e com o meio, tornando a sociedade mais justa.
O desafio está em tentar compreender e aprender a conviver acolhendo as diferenças, sobretudo por vivermos num mundo cada vez mais globalizado, e não permitir que essas mesmas diferenças se transformem em desigualdades. Aprender a construir “A casa comum”, sendo necessário uma mudança de mentalidades que valorize a centralidade da dignidade da pessoa humana e rejeitando a cultura do descarte.
Evocando Kant, “todos os humanos estão sobre a Terra e todos, sem exceção, têm o direito de estar nela e visitar seus lugares e povos; a Terra pertence comunitariamente a todos.”
Não devemos também esquecer-nos que a liberdade de movimento está contemplada nos direitos humanos fundamentais.
Martin Luther King disse que “aprendemos a nadar como os peixes, a voar como os pássaros, mas ainda não aprendemos a viver como irmãos”. Eu acrescentaria que já fomos à Lua, agora até conseguimos chegar a Marte e continuamos sem aprender a viver como irmãos. Não conseguimos descobrir a importância, o valor e significado da fraternidade.
“Se todos quisessem, tudo mudaria sobre a Terra num momento”, é o que diz o homem ridículo de Fiódor Dostoiévski. Talvez não seja um sonho ridículo.
A construção de um Mundo melhor para todos é da responsabilidade de cada um de nós.