“AS PARTEIRAS” – As mulheres e a sua importância no desenvolvimento do Porto Santo

“Inclusivamente já foi efectuada uma Homenagem ao Barqueiro. Mas e as mulheres?”

(Crónica de Ana Castro Neves, Médica Especialista em Imunoalergologia)

A partir de 1991, a Organização Mundial de Saúde instituiu o dia 5 de Maio como “O Dia Internacional da Parteira”, com o objectivo de destacar e valorizar o trabalho das parteiras em todo o mundo e a qualidade dos cuidados oferecidos às mulheres.

Em conversa com várias pessoas, tive a oportunidade de abordar e discutir  a relevância das mulheres no desenvolvimento da Ilha do Porto Santo. É muitas vezes referido e evidenciado o inquestionável papel desempenhado pelos homens que iam para o mar. Inclusivamente já foi efectuada uma Homenagem ao Barqueiro. Mas e as mulheres?

Após ter realizado uma pesquisa bibliográfica, não encontrei referência às mulheres parteiras no Porto Santo. Recorri à ajuda do Sr. António José Rodrigues, conhecido por ser uma das pessoas que se dedica à história do Porto Santo, testemunhando que também não encontrou referências sobre esta temática, e ao qual deixo desde já o meu agradecimento público pelo seu contributo.

Infelizmente, a maioria das histórias e acontecimentos não ficam registados em nenhum documento oficial, sejam eles obras literárias ou artigos, acabando por se perder, quando as pessoas mais antigas nos deixam. Aqueles que me conhecem sabem o quanto eu gosto de conversar com os mais velhos e ouvir as suas estórias, mas, lamentavelmente, não as escrevi.

A importância destas mulheres está intimamente relacionada com a história da Medicina e em particular com a evolução da prestação de cuidados na área de saúde materna, obstétrica e neonatal. 

A gravidez, o trabalho de parto e o parto são eventos naturais e biológicos, mas com forte influência a nível sociocultural, sendo a sua vivência diferente nas diversas sociedades. Todo esse período é vivenciado como uma experiência singular e significativa para a mulher e a sua família, e todas as atitudes e comportamentos para com a grávida e o recém-nascido são marcantes. Mas, o parto nem sempre foi vivenciado como o conhecemos hoje.

A grande maioria dos partos em Portugal, entre as décadas de 40 a 60, era realizada no domicílio, muitas vezes em condições precárias com parcas condições sanitárias e de higiene, com a ajuda de mulheres sem formação, mas com experiência na área, chamadas de “parteiras”.

A falta de assistência especializada à gravidez e ao parto reflectia-se nas elevadas taxas de mortalidade materna e neonatal, verificadas na época. O parto era um acontecimento que envolvia vários procedimentos e utensílios rudimentares. Reconhece-se que sem a intervenção destas mulheres a taxa de mortalidade poderia ser maior, sendo que a sua intervenção pode evitar 80% das mortes no parto e doenças neonatais e que as mesmas são essenciais no acompanhamento das mulheres no puerpério.

Com a evolução desta arte juntamente com o progresso tecnológico e científico as parteiras foram sendo incorporadas no sistema médico. A institucionalização do parto e a sua medicalização, tornando-o numa atividade médica, cada vez mais complexa, melhoraram a assistência à grávida e contribuíram para uma diminuição significativa das taxas de mortalidade materna e perinatal.

Assim, até aos anos 80 ainda nasciam crianças na Ilha, cujos partos eram efectuados por enfermeiras-parteiras no Centro de Saúde. Desde então os partos passaram a ser realizados a nível hospitalar na Ilha da Madeira, com acesso a melhores cuidados de Saúde.

Foi com entusiasmo que ouvi o relato da minha mãe sobre o nascimento da sua irmã. Contou-me que a minha avó teria trabalhado muito nesse dia e que começou a sentir contracções e pediu-lhe que fosse chamar a Sra. Maria Melim, conhecida pela alcunha “A Esqueleta”, que era a parteira de referência naquela zona, porque tinha chegado o momento do nascimento da minha tia.

Auxiliada pelo Sr. António José Rodrigues, conseguimos identificar as seguintes mulheres referenciadas por zonas:

Zona do Campo de Cima, Lapeira, Campo de Baixo e Ponta: Sras. Juliana Oliveira, Beatriz Menezes, Hermínia de Sousa;

Zona das Pedras Pretas: Sra. Rosa Teixeira

Vila e Tanque: Sras. Maria (com alcunha “A Cabaça”), Berta Menezes (conhecida como “Bertinha”) e Maria Melim (com alcunha “Esqueleta”).

Dragoal / Areias: Sra. Inês Oliveira

Camacha: Sra. Lucrécia Melim

Pico: Sra. Maria Velosa (família do “Pilhagatos”)

Serra: Sra. Maria Melim

Este artigo não tem como objectivo fazer uma resenha histórica, mas sim dar visibilidade e enaltecer a relevância destas mulheres cuja atividade, muitas vezes, não é valorizada nem reconhecida, mas que contribuíram para o desenvolvimento das sociedades e em particular para a demografia da nossa ilha.

A atribuição de topónimos tem particular interesse na preservação da memória e identidade cultural de um povo, perpetuando nomes, factos e eventos, dando a conhecer a evolução histórica dos lugares e homenageando as suas gentes. O reconhecimento dessa importância está previsto na Lei.

Deixo o desafio de homenagear estas mulheres, cuja importância ainda está bem viva nas memórias de muitos.

Valorizemos o que o que é Nosso e os Nossos. Valorizemos a Nossa História.

Nota: A menção às alcunhas teve o objectivo de melhor identificar as pessoas não tendo qualquer significado pejorativo.

Carlos Silva

Depois de uma viagem tranquila, mergulhado num mar de dúvidas, aportei a 2 de setembro de 1999, à Ilha do Porto Santo! À chegada, uma doce e quente onda de calor, qual afago de mulher amada, assaltou-me, até hoje! Do sucedido de então, até aos dias de hoje, guardo-o na memória; os sucessos, de hoje em diante, aqui ficam, para memória futura, da minha passagem pela Ilha!

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